Review: Baldur’s Gate 3 é a experiência absoluta de 2023
Campanha massiva, história épica e personagens inesquecíveis fazem de Baldur's Gate 3 o jogo a ser batido este ano
lante uma árvore, tenha um filho e escreva um livro. De acordo com José Martí, essas são as 3 coisas que todo mundo deveria fazer antes de morrer. A partir de 2023, pelo menos para os gamers, a máxima merece a adição de um 4º item: jogue Baldur's Gate 3.
A lista original elencada pelo poeta cubano é menos sobre qualquer tipo de obrigatoriedade das ações em si e mais sobre promover atividades que te ajudem a amadurecer, ganhar novas perspectivas e que, de alguma forma, se tornem um marco na sua vida.
Isso também é verdade para o novo projeto da Larian Studios, que dá um check nessas caixinhas em múltiplos níveis, seja em como a experiência é entregue ao público, na forma como a desenvolvedora belga foi se moldando ao longo de muito tempo para abrigar essa obra ou nas ondas causadas pelo título na própria indústria dos games.
Mas será que se trata de um jogão mesmo ou é só uma reação química/biológica natural (aquele blipe de endorfina) após anos de pasteurização quase que anestésica desse mundinho dos jogos? Que rolem os dados!
“Um mago nunca se atrasa”
Muita gente deve estar se perguntando por que demoramos tanto para soltar esse review. Uma pergunta simples e direta, e que vale uma resposta nos mesmos moldes: porque analisar Baldur’s Gate 3 é uma tarefa titânica – na mesma proporção do game.
É sério, não invejo os colegas que soltaram suas críticas do jogo na data de estreia no PC ou poucos dias depois disso. Afinal, engatar sessões de oito, dez, doze horas de uma jogatina como essa, por dias a fio, é receber uma tonelada de conteúdo denso e não ter tempo de absorver ou digerir tudo antes de seguir adiante.
Como recebemos a chave poucas horas antes do lançamento, nossa escolha ficou ainda fácil: iríamos nos dedicar à análise com calma e publicá-la no período em que o RPG estivesse chegando ao PlayStation 5. A decisão não poderia ter sido mais acertada.
Primeiro, porque esse tempo extra nos permitiu ir além da superfície de Baldur’s Gate 3 e desvendar mais e mais camadas de sua história, suas mecânicas e seus personagens. Depois, porque o conhecimento extra garantiu que pudéssemos trazer algo com muita mais qualidade para você – não apenas algo para “bater ponto”.
Assim, após mais de 150 horas de jogatina, temos aqui o review oficial de Baldur’s Gate 3 no Flow Games. Bora conferir essa aventura juntos?
Bem-vindos a Baldur’s Gate 3
Esse novo jogo da série se passa cerca de 100 anos após os eventos de Baldur’s Gate 2 e conta a jornada de aventureiros que, em uma situação normal, dificilmente trabalhariam juntos, mas são obrigados a se unir para lidar com uma situação nada convencional: todos eles estão infectados com larvas dos devoradores de mentes, os temidos ilitides (ou mind flayers, se você preferir).
É a busca por uma cura ou solução para essa corrupção alienígena que dá o pontapé inicial na trama e move seu personagem e um grupo caótico de companheiros a avançar por uma das regiões mais plurais e interessantes de Forgotten Realms, explorando cenários diversos, encarando todo tipo de desafio e lidando com forças além de sua compreensão.
Inspirado na 5ª edição de Dungeons & Dragons, Baldur’s Gate 3 é um take moderno em cima do gênero dos cRPGs – os chamados RPGs clássicos de computador. Isso significa batalhas em turnos altamente estratégicas, história densa, múltiplas opções de diálogos, cutscenes e cinematics aos montes, uma campanha que se molda às suas escolhas e um bocado de leitura.
Não precisa ficar assustado, tudo isso funciona tanto para quem vem do RPG de mesa ou é veterano dos CRPGs, quanto para heróis de primeira viagem nesse mundo tão complexo.
Na prática, isso significa que você não precisa de nenhum conhecimento prévio da franquia para aproveitar sua jornada por Baldur’s Gate 3. Ter alguma familiaridade com o assunto traz referências e camadas adicionais à mesa, é claro, mas uma sequência introdutória belíssima faz um ótimo trabalho em te deixar em dia com o mundo do jogo.
Você não precisa de nenhum conhecimento prévio da franquia para aproveitar sua jornada por Baldur’s Gate 3.
Cadência é tudo
Muito do que faz Baldur’s Gate 3 ser uma experiência especial para todo tipo de jogador, desde o início, é seu ritmo. Esse parece ter sido o tipo de elemento que foi pensado e repensado múltiplas vezes dentro da Larian para garantir que uma epopeia tão massiva quanto essa não ficasse monótona ou cansativa com o tempo.
O tropo da “arma de Chekhov” colocado logo no início da trama, por exemplo, garante não só um objetivo claro desde o momento zero da campanha, como também dá todo um senso de urgência para a jogatina. A experiência lembra muito o que a galera mais velha pode ter sentido com a introdução do incrível Shadowrun, de SNES.
Porém, enquanto o título de 1993 traz uma bomba-relógio literal e com um timer bem definido, Baldur’s Gate 3 é mais sutil – mas igualmente eficiente – ao fazer com que cada nova opção de diálogo aberto, NPC encontrado ou livro lido reforce um fato: a larva ilitide pode te matar e transformar seu personagem em um monstro a qualquer momento.
A analogia de “tem algo enterrado na sua cabeça que pode fazer BOOM logo menos” entre ambos os jogos, porém, fica mantida. Então, kudos para a Larian.
O estúdio também não abandona esse elemento só porque ele já serviu seu propósito de engajar você na história. Ele é transformado, moldado e adaptado para continuar fazendo parte da narrativa, ganhando mais ou menos escopo em determinados momentos, e segue subvertendo continuamente suas expectativas.
Isso está intimamente ligado à estrutura de 3 atos de Baldur’s Gate 3, que vamos discutir mais adiante nesta análise. Dá para adiantar, no entanto, que cada um deles dá tempo para que você se adpate a exigências mecânicas e de raciocínio progressivamente maiores enquanto absorve um carga dramática mais densa e impactante.
Sinta-se em casa
Outro ponto que contribui para tornar Baldur’s Gate 3 algo diferenciado é a forma como ele adapta sua obra-base para o game, não se limitando apenas a aparições especiais (embora elas existam) e citações a nomes de NPCs, localidades, itens, divindades, facções e outros elementos icônicos da franquia.
Assim como acontece no filme “Dungeons & Dragons: Honra Entre Rebeldes“, o título da Larian Studios faz com que você se sinta numa mesa de RPG a todo o momento. Isso fica claro logo na sua primeira interação com o jogo, na tela de criação de personagens.
Ao permitir que você escolha entre 7 heróis originais, Baldur’s Gate 3 simula aquelas fichas pré-prontas que acompanham muitos suplementos de RPG, possibilitando que iniciantes embarquem na aventura sem perder tempo. Eles também se apresentam como se estivessem descrevendo seu personagem para os amigos numa nova campanha – declarando motivações, origens misteriosas e objetivos.
Para os veteranos, um sistema avançado deixa que os jogadores criem seus próprios aventureiros a partir de um montante absurdo de opções de raças, classes e customizações visuais. Você pode perder 5 minutinhos nesse processo ou umas duas horas, emulando também outra máxima do RPG de mesa: sua primeira sessão será dedicada não ao jogo em si, mas sim em preencher sua planilha. Acredite, não existe nada mais D&D do que isso.
No meu caso, gastei um bom tempo para recriar Alak, um anão dourado que é clérigo de batalha de Moradin, e um dos personagens mais recentes que fiz para brincar no bom e velho Dungeons & Dragons 3.5 com os amigos – um grupo que já passa dos 25 anos jogando junto. Tudo isso para dizer que, seja qual for o caminho tomado para iniciar sua jornada em Baldur’s Gate 3, você estará bem servido.
E se não gostar das suas escolhas, sem problemas: a opção de resetar seu personagem aparece bem cedo na campanha e tem um custo baixíssimo, incentivando os jogadores a testarem builds e combos entre as 42 raças/sub-raças e 46 subclasses (derivadas de 12 classes principais) disponíveis. Aquele abraço para o Funestus (Wither)!
Networking que fala?
Embora ainda não seja possível criar um sandbox tão complexo quando o cultivado na mente de um Dungeon Master e seus jogadores em partidas convencionais de RPG, o novo Baldur’s Gate dá o seu melhor para reproduzir com detalhes eventos que muito bem poderiam estar sendo contados numa campanha real de Dungeons & Dragons.
Um exemplo disso é a forma como o jogo adapta o crescente entrosamento de personagens num grupo de RPG de mesa. Graças a um sistema bem interessante de relacionamentos, quanto mais você joga junto desses outros aventureiros, persegue seus objetivos pessoais e se mostra um ombro amigo, mais o game aproxima vocês.
Para começo de conversa, essa relação de cumplicidade entre os heróis traz avanços consideráveis à trama. Mecanicamente, isso acontece na forma de benefícios diretos ao jogador, incluindo missões adicionais, obtenção de itens poderosos e acesso a novas áreas (ou, pelo menos, uma maneira diferente de chegar a elas), entre outras vantagens.
De modo mais subjetivo, o sistema oferece outro tipo de progresso: o do quanto você se investe no game e na relação com seus companheiros – e esse é um pilar essencial para sua saga e permanência em Baldur’s Gate 3. Não é raro que, ao conhecer mais o passado e as angústias de um aliado, ele pareça mais o personagem principal da história do que você.
É claro que tudo isso culmina na possibilidade de engatar romances calientes com diversos dos NPCs ao seu lado. Com o nível certo de intimidade, as decisões corretas nos diálogos e aquele retorno providencial ao seu acampamento, você pode dar aquela bela xavecada para criar uma amizade colorida ou até mesmo receber uma visita surpresa à noitinha.
Só não vale fazer juras de amor eterno para um companheiro e colocar tudo a perder no dia seguinte ao ser pego no flagra na cama de outrem, hein? #culpado
No final das contas, essas mecânicas formam um substituto natural para o ausente sistema de alinhamentos de D&D em Baldur’s Gate 3. Saem de cena termos como Bom, Mau, Neutro, Leal e Caótico e sobe ao palco o meme “meu alinhamento é: tudo que a Umbralma (Shadowheart) quiser“.
Baldur’s Gate 3 é D&D na veia
Apesar de estamos falando de uma jogatina densa e que vai exigir dezenas ou até mesmo centenas de horas da sua vida, Baldur’s Gate 3 está longe de ser monótono e pode ser considerado como uma verdadeira speedrun de qualquer campanha de média duração de Dungeons & Dragons de mesa.
Baldur’s Gate 3 está longe de ser monótono e pode ser considerado como uma verdadeira speedrun de Dungeons & Dragons.
Numa das aventuras de D&D 3.5 que eu participo, chegamos a gastar 3 (ou mais) sessões de jogo inteiras para passar pelo equivalente a pouco menos de 1 hora de tempo decorrido in-game. Ou seja, é claro que a jogatina da Larian é mais cadenciada do que um RPG de ação convencional, especialmente nos combates. Isso não significa, porém, que ele seja chato ou mais lento do que o necessário.
Assim que você se acostuma com a fórmula básica de 1 movimentação, 1 ação normal e 1 ação bônus por turno, passa a reconhecer a beleza desse tipo de sistema. Você tem o tempo que quiser para tomar suas decisões e vê logo na sequência como elas se desdobram em relação às ações dos inimigos – seja com um sucesso absoluto ou percebendo alguma burrada monstruosa que precisa ser consertada na rodada seguinte.
Essa estrutura básica vai ficando mais complexa e ganhando muitas nuances conforme o jogador progride na campanha, evolui seus heróis, conquista equipamentos mais relevantes e desbloqueia habilidades avançadas. O resultado disso? Mais ações, ataques condicionais, movimentação ampliada e outros recursos que farão aflorar seu lado estrategista.
Não vai demorar para que você se pegue preparando preparando magias, invocando criaturas de outros planos, buffando aliados e posicionando todo mundo do jeito certo antes mesmo de iniciar a peleja contra seus adversários.
Esse é um sinal, aliás, do belo trabalho da Larian em manter seus jogadores sempre entretidos e aprendendo algo novo a cada momento. E também um bom gancho para a próxima seção deste review, porque, sim: Baldur’s Gate 3 continua sendo um cRPG e continua sendo D&D mesmo fora dos combates.
Seja esperto
Quem curte um RPGzinho aos finais de semana já sabe que, às vezes, é melhor tentar resolver as coisas na conversa ou de forma criativa do que partir para uma batalha que pode resultar no temido TPK – sigla em inglês para denominar a morte de todos os personagens do grupo.
Em Baldur’s Gate 3 isso não só é verdade – com lutas contra chefões que podem ser vencidas apenas na sagacidade, sem um pingo de sangue –, como também se aplica a quase todo tipo de situação ou desafio encontrado ao longo da campanha.
Chegar a um lugar aparentemente inacessível, por exemplo, é uma das primeiras coisas que vai te obrigar a pensar diferente no game. De início, isso é um convite para usar a ação Pular, que se torna mais e mais importante com o passar do tempo.
Depois surgem alternativas mais ousadas: empilhar caixas, arremessar colegas, criar um portal dimensional, assumir a forma de um rato ou falar com os mortos e descobrir um atalho perfeito para o lugar. Na sequência, Mãos Mágicas, Invisibilidade, Furtividade, Voo e invocar bichos que assustam os NPCs também entram no seu rol de ações corriqueiras.
Esse mesmo tipo de pensamento vale para os diálogos, uma parte essencial de qualquer cRPG e outro pilar fundamental de Baldur’s Gate 3. Dependendo das suas habilidades, consumíveis ou atributos, você pode ter desde facilidade em enganar ou convencer os outros de suas atitudes até abrir opções especiais durante as conversas.
É justamente aí que temos outro elemento de D&D em cena: os dados. Enquanto nas batalhas as rolagens ocorrem de forma velada – restringidos ao log de combate –, usar uma perícia para desarmar armadilhas, abrir portas ou levar alguém no papo traz o dado de 20 lados para os holofotes.
Quando surgir o pop-up da rolagem, basta escolher se quer adicionar modificadores e clicar na versão virtual do objeto para ver ele sambando em tela. Você até pode clicar de novo para pular tudo e ir direto para o resultado, mas aí perde toda a adrenalina e apreensão que precede o sucesso ou falha de uma ação.
Sem contar que a animação e os efeitos sonoros que acompanham a rolagem do D20 são extremamente gratificantes, trazendo uma sensação parecida de antecipação e euforia como a de abrir um baú em Vampire Survivors. O único defeito desse rolê? O número limitadíssimo de skins para enfeitar seus dados. Torcendo para a Larian resolver isso em updates futuros!
Uma trama que vai te arrebatar continuamente
Dá para dizer com muita tranquilidade que Baldur’s Gate 3 tem um dos melhores enredos da história recente dos games, trazendo não só uma trama-base épica e imersiva – com sidequests igualmente deliciosas –, mas também textos de altíssima qualidade que se desdobram por diálogos, narrações e cartazes espalhados pelo mundo.
No entanto, de nada serviria esse material exemplar se ele fosse entregue de qualquer jeito, simplesmente despejado na cabeça dos jogadores ou acompanhando de um gameplay ruim e sem compasso. É aí que entra a divisão da campanha do jogo em 3 atos.
Sim, essa abordagem existe em uma porção de outros cRPGs e é bem implementada até mesmo em produções da Larian, como o crocante Divinity: Original Sin 2. Em Baldur’s Gate 3, porém, essa estrutura une e potencializa diversos dos elementos que destacamos até agora, como ritmo, imersão e a sensação que estamos dentro de D&D.
Isso acontece porque cada um dos capítulos apresenta propostas diferentes, mas complementares, que carregam a história e o progresso do jogador nas costas. Bora se aprofundar um pouco mais no tema (sem spoilers) porque ele é bem importante.
Baldur’s Gate 3 em 3 Atos
O Ato 1 é um grande parque de diversões, com um mapa amplo e que convida o jogador a explorá-lo no seu próprio ritmo e o quanto quiser. A própria estrutura de missões e para onde você é enviado nelas incentiva esse tipo de comportamento, sempre deixando você a alguns passos de um ponto de interesse em potencial.
Quer debulhar o essencial do mapa em uma ou duas sessões e partir para o próximo episódio? Sem problemas, não faltam caminhos para isso. Prefere desvendar cada milímetro e quest da região? Fique mais de 50 horas aqui e saiba quão fundo vai o buraco de coelho criado pela Larian nessa zona inicial de Baldur’s Gate 3 – e seja recompensado por isso.
No Ato 2, a trilha a seguir é mais bem definida, mas a imersão e a tensão são elevadas à enésima potência. A sensação aqui é de estar entrando numa experiência mezzo Ravenloft, mezzo “O Império Contra-Ataca“. A comparação com o filme do meio da trilogia original de Star Wars talvez seja até mais acertada, mais pelo tom do que pelo plot twist – embora a jogatina também tenha algumas revelações para fazer.
Por fim, no Ato 3, o estúdio belga coloca todas as cartas na mesa para revelar que seu projeto era ainda mais grandioso do que qualquer um poderia imaginar ao longo dos quase 3 anos de Acesso Antecipado de Baldur’s Gate 3. Escala, escopo e profundidade são as palavras de ordem aqui, com o ato parecendo encaminhar o jogador não para um final, mas sim para um novo – e empolgante – começo.
Com alguns ajustes na transição do Ato 1 para o 2 para que ele fosse tão impactante quanto a passagem entre os atos seguintes (que traz um momento de sobriedade simples, mas muito bonito), Baldur’s Gate 3 poderia ser dividido facilmente em 3 jogos interconectados, mas bem distintos. O mais surreal? Mesmo separados, cada um deles teria conteúdo e qualidade suficiente para figurar em listas de GOTY e te entreter por horas a fio.
Save scumming ou aceitar os dados?
Partindo do princípio que Baldur’s Gate 3 é tão profundo e denso assim, pode surgir a dúvida: a jogatina fica muito engessada para manter sua coerência com todo esse tamanho ou consegue se adaptar às múltiplas decisões tomadas pelo jogador após um tempo inominável de campanha?
Com toda a certeza, o jogo abraça a segunda opção, por mais que isso deva ter dado um trabalho surreal para a equipe da Larian. Aquela ideia de que toda situação pode ser resolvida de pelo menos uma dúzia de formas diferentes é real aqui, se propagando não só para missões subsequentes da mesma chain, mas também por linhas inteiras de história e gerando conclusões ou surpresas inesperadas em atos futuros.
Ajudar os druidas ou fazer uma aliança com os goblins? Salvar a família de ursos-coruja ou vingar os aventureiros que perderam o pai para os monstros? Falar uma mentirinha ou dizer a verdade para um membro da guarda? Dá o braço a torcer e faz a vontade de um de seus companheiros ou toma o lado de outro aventureiro do grupo? Você escolhe o que quer e sente o impacto das suas decisões – uma hora ou outra.
Isso é ótimo para dar a sensação de se estar diante de um mundo vivo, que não ignora as coisas que o herói e seu grupo fazem e falam. Ao mesmo tempo, esse é um terreno fértil para tirar da toca o FOMO. Para quem não conhece, o termo (uma sigla para”Fear of Missing Out“) se refere ao medo de estar perdendo algo quando se está diante de um grande volume de conteúdo ou informações.
No caso de Baldur’s Gate 3, o pensamento por trás disso é o seguinte: o que não verei ou conquistarei na campanha por tomar essa decisão e não aquela? A pergunta se intensifica conforme você se afeiçoa a personagens, se sente investido na história e passa a buscar as opções “corretas” para o seu estilo de jogo. É aí que entra em cena outro jargão em inglês, o save scumming.
A nomenclatura nada agradável serve para denominar gamer que usam a função de Quick Save (Salvamento Rápido) e Quick Load (Carregamento Rápido) para criar um ponto de segurança artificial e testar o resultado das suas escolhas. Se não for do seu agrado, é só dar um load rapidinho e fazer o trecho de novo para obter um bom desfecho.
Puristas de plantão pregam que isso torna você a escória da humanidade e estraga a experiência orgânica de jogo. Outros dizem que a prática não é recomendada porque te influencia a “otimizar sua diversão” em vez de aceitar o resultado dos dados, como acontece no próprio RPG de mesa. Baldur’s Gate 3 não toma partido nessa discussão e, mais uma vez, tenta atender a todos os públicos.
Baldur’s Gate 3 não toma partido nessa discussão e, mais uma vez, tenta atender a todos os públicos.
O limite de saves que veio embarcado no jogo, por exemplo, sumiu logo após o primeiro patch. Na contramão disso, o sistema de Inspiração de D&D foi adotado como uma forma de refazer rolagens azaradas de modo mais oficial e com algum tipo de integração com o jogo – agem como favores divinos obtidos após fazer ações condizentes com o caráter dos seus personagens.
Pessoalmente, acho que Baldur’s Gate 3 faz um trabalho muito melhor do que o jogo anterior da Larian em não criar situações que incentivem o save scumming. Em Divinity: Original Sin 2, era muito fácil ficar bloqueado de chains inteiras por conta de um único vacilo. Enquanto isso, BG3 é muito mais maleável nesse sentido, pegando emprestado uma página do livro de Disco Elysium para criar algo relevante e divertido a partir de seus erros.
Dito isso, a disparidade do meu tempo de jogo no arquivo in-game (137h) e na Steam (quase 170h, mas contabilizando muitas horas AFK) mostram que eu posso ter cedido um pouco à tentação – só um pouquinho.
O significado de next-gen
Pensei em utilizar seções distintas, como em tantos outros reviews de tantos outros jogos, para falar de quesitos mais técnicos, como gráficos, áudio e até mesmo desempenho no PC – plataforma em que testamos o game. No final das contas, percebi que todos eles estão unificados sob um único estandarte: Baldur’s Gate 3 é um título verdadeiramente next-gen.
Digo isso não apenas porque a Larian só está lançando a jogatina em plataformas da nova geração (computador, PS5 e, futuramente, Xbox Series X/S), mas porque o game atinge esse status de maneiras não óbvias.
Oras bolas, é claro que o novo Baldur’s Gate não é tão bonito quanto outros títulos que brigam pela alcunha “next-gen” com seus modelos de milhões de polígonos, texturas de altíssima resolução, ray tracing e partículas voando para todos os lados. O jogo inspirado em D&D eleva a barra onde importa.
O jogo inspirado em D&D eleva a barra onde importa.
No quesito visual, há inúmeros elogios. Todos os personagens, dos seus heróis aos NPCs mais aleatórios, são extremamente carismáticos, expressivos e bem animados. Sério, tente não se impressionar com a movimentação dos olhos, postura e trejeitos das mãos dos NPCs durante as conversas. As cenas de diálogo, adicionalmente, sempre capricham na iluminação, posição de câmera e desfoque de fundo, permitindo que você foque no conteúdo e na forma com que ele é entregue pelos atores.
Claro que o já mencionado roteiro exímio e uma dublagem estelar levam a barra ainda mais para cima nessas e em outras interações feitas no game – elementos que deveriam inspirar toda uma leva de ditos AAA next-gen presentes no mercado. A apreciação dessa faceta de Baldur’s Gate 3 pode ser feita até mesmo pelo público brasileiro, que apesar de ficar sem vozes locais, pode curtir tudo numa boa (mas não perfeita) localização de texto.
A ambientação, no entanto, é a verdadeira estrela do show quando se fala do visual de Baldur’s Gate 3. Sabe todos aqueles locais que você viu em trailers e screenshots do game? Então, eles não são só peças de divulgação e podem ser encontrados organicamente ao longo da aventura. Estamos falando de um sem número de biomas, cenários, construções e vistas que imploram para que você afaste a câmera, esconda a interface e tire uma foto.
O jogo também rola um acerto crítico em toda parte de áudio. Efeitos sonoros, sons ambientes e mixagem de vozes estão entre as mais espetaculares do mercado, mas (como?!) ficam atrás da trilha sonora impecável capitaneada por Borislav Slavov. As faixas criadas pelo compositor búlgaro são impactantes desde a tela inicial do título até a rolagem de créditos, sem nunca falhar.
Por fim, quando se fala de performance, Baldur’s Gate 3 faz o arroz com feijão e cumpre com o prometido. Meu PC pessoal se encaixa praticamente nos requisitos recomendados oficiais (Ryzen 5 3600X, RTX 2060 Super e 32 GB de RAM) e não tive muitos problemas para rodar o jogo em 1440p com 60 fps na maior parte do tempo. A exceção fica com o massivo Ato 3, que começou mais sofrido, mas melhorou consideravelmente após updates.
Também testei a jogatina numa máquina que Dell nos emprestou para review, um Alienware Aurora R15, e o hardware absurdo do computador nos permitiu experimentar tudo com ainda mais fluidez e sem tomar conhecimento de regiões mais atribuladas.
Ninguém é sem defeitos
Rasgamos a seda para Baldur’s Gate 3, mas ele está longe de ser perfeito. Como qualquer outro produto de entretenimento, o cRPG tem alguns riscos na lataria que valem ser mencionados aqui, já que podem (ou não) fazer a diferença para alguns dos leitores.
Como já mencionamos, a tradução para o português permite compreender 100% do jogo e é essencial para uma experiência dessa profundidade e magnitude. Apesar disso, tem seus deslizes: alguns erros de digitação, concordâncias estranhas, termos mal-traduzidos e, num caso muito específico, trechos inteiros de diálogo em inglês.
Dito isso, o time brasileiro de localização é um dos maiores das equipes de apoio contratadas pela Larian – sim, nós vimos e lemos TODOS os créditos finais, culpa da trilha de Slavov – e o estúdio está acelerado nas atualizações e correções, o que significa que esses pontos podem ser resolvidos muito em breve.
O sistema de relacionamento, embora funcione muito bem para seus companheiros de grupo e outros personagens mais relevantes, não move o ponteiro com NPCs mais aleatórios – num take mais próximo de Red Dead Redemption 2, em que é fácil se recuperar de vacilos com os transeuntes.
Isso não afeta apenas a sensação de “realismo” ou de um mundo vivo, mas também o sistema de barganha com os comerciantes. Mesmo com 150h de jogo, não consegui fazer nenhum vendedor ficar favorável o suficiente para me vender coisas com desconto ou comprar meu itens mais caros – ambos elementos essenciais no último Divinity.
Também acredito que, embora o pacing e a liberação de conteúdo e mecânicas seja muito bem feita para veteranos e iniciantes, quem não veio de outras produções da Larian pode sofrer um pouco com diversos comandos básicos. Quem decidiu que seria uma boa ideia deixar a centralização da visão na tecla Home, hein? Reconfigure o atalho ou dê dois cliques no ícone do seu herói para facilitar sua vida.
Outro ponto que carece de melhorias é uma distinção clara do que progride ou não quando você vai para o acampamento para descansar e acordar no próximo dia. Algumas missões se fecham após alguns descansos longos enquanto outras só aparecem depois deles.
Isso cria situações discrepantes para grupos com mais classes físicas (que quase nunca precisam de uma soneca) e parties com heróis baseados em magia (que precisam do sono para restaurar seus poderes com muito mais frequência).
Seja como for, não é muito legal acordar com uma mensagem de que fulano morreu ou desistiu de você ou conversar com um amigo (na vida real) e descobrir que você perdeu algo importante no ato anterior porque foi poucas vezes à sua base.
Em relação a bugs. houve poucos dignos de nota. Vi todo o meu grupo virar calvo de cria em alguns momentos, enquanto a física da barba do meu anão se manteve bizarra do início ao fim em qualquer cena em que ele não estivesse de pé. Um defeito visual acabou estragando uma cena épica específica do Ato 2, obrigando que eu voltasse um bom trecho apenas para consegui-la ver adequadamente, mas foi realmente um caso isolado.
Uma jornada épica (inclusive no mundo real)
Sequência improvável de uma franquia de jogos adormecida há mais de duas décadas – e que muitos acreditavam estar enterrada junto de um passado de ouro da antiga BioWare –, Baldur’s Gate 3 é fruto de uma jornada tão épica quanto a que ele apresenta em tela.
Baldur’s Gate 3 é fruto de uma jornada tão épica quanto a que ele apresenta em tela.
Sua desenvolvedora se preparou por cerca de 20 anos para levar adiante uma empreitada como essa, refinando suas habilidades no mundo dos RPGs ao longo de ao menos 7 títulos da série Divinity. Com o premiado Divinity: Original Sin 2, de 2017, a Larian finalmente garantiu a chancela da Wizards of the Coast para trabalhar no retorno IP.
O anúncio do projeto, feito pouco antes da E3 2019, também pegou muita gente de surpresa, assim como a liberação do Acesso Antecipado em outubro de 2020. O que não se sabia, na época, é que esse período de testes, ajustes e atualizações não só levaria quase 3 anos para ser concluído como criaria laços duradouros com a comunidade.
Foram justamente a confiança e o empenho dos jogadores que permitiram à Larian lapidar e polir o jogo que viria a ser Baldur’s Gate 3. Seus feedbacks mostraram à desenvolvedora qual era o caminho a seguir. Enquanto isso, o dinheiro arrecadado pelas mais de 2,5 milhões de cópias do game vendidas antecipadamente deram fôlego e liberdade à empresa, que pôde tocar o projeto com calma, esmero e uma visão clara das expectativas dos gamers.
Como se isso não fosse o bastante, o jogo chega em um momento providencial para Dungeons & Dragons, que vive um de seus melhores momentos. O RPG marcou seu nome na cultura pop ao se tornar uma das peças centrais do fenômeno “Stranger Things“, arrebatou milhões de novos jogadores com as lives à la Critical Role e recebeu, neste ano de 2023, um filme live-action surpreendentemente divertido e fiel às suas origens.
Ou seja, estamos diante de uma verdadeira jornada do herói do mundo real: só podia ser a Larian, só podia ser desse jeito, só podia ser com esses aliados e só podia ser agora.
Hoje, você também tem a oportunidade de fazer parte dessa saga ao poder abraçar não apenas um dos jogos mais incríveis da última década, mas uma história cujos personagens e temas vão continuar contigo muito tempo depois de os créditos (e as lágrimas) rolarem.
Plante uma árvore, tenha um filho, escreva um livro e jogue Baldur’s Gate 3.
Uma cópia de Baldur’s Gate 3 para PC foi gentilmente cedida pela Larian Studios para a realização desta análise.
Baldur's Gate 3
Publisher: Larian Studios
Desenvolvedora: Larian Studios
Plataformas: PC, PlayStation 5
Lançamento: 03/08/2023
Tempo de review: 150 horas
Campanha massiva, história épica e personagens inesquecíveis fazem de Baldur's Gate 3 o jogo a ser batido este ano
Prós
- Uma das melhores histórias dos games
- Personagens cativantes
- Next-gen onde importa
- Transpira D&D a cada momento
- Jornada imersiva e cadenciada
- Trilha sonora irretocável
Contras
- Atalhos básicos podem ser confusos
- Tradução PT-BR possui deslizes
- Alguns bugs menores
Comentários
Simplesmente sensacional. GOTY.
BG3 é o melhor jogo do século.
Não vão postar no instagram?
Demorou um pouquinho por conta do feriado, mas agora tá lá, xará!
https://www.instagram.com/p/Cw7vI7CLAsO/
Engraçado, que os “host’s” do Flow Games nem deram moral pro game, só hyparam o Starfield, sendo que Starfield vai mama pro BG3, the real goty
Marcelo Rodrigues é um gamer de verdade, soube aproveitar e sabe analisar muito bem, não querendo desmerecer, mas a galera do canal do flow NEM JOGARAM, nenhum deles (creio que o davy jones só o comecinho), mas tão jogando todos os outros lançamentos, é bem triste mas ainda bem que tem gente muito competente aqui no site!